Após anos de luta, o futsal feminino terá um Mundial de Seleções da FIFA, competição que o masculino disputa desde 1989. O anúncio do torneio aconteceu meses após estrelas da modalidade reinvindicaram a criação do campeonato mundial.

Jozi, uma das maiores goleiras da seleção brasileira de futsal e atual convocada, foi uma das atletas da Associação de Jogadores e Jogadoras de Futebol de Salão (AJFSF) a bater de frente com a FIFA.

Arquivo Pessoal

Jozi fez história na seleção brasileira de futsal. Foto: Arquivo Pessoal

Em entrevista ao ge, Jozi mostrou algumas dúvidas quanto a organização da entidade máxima do futebol. Porém, ao mesmo tempo, ficou feliz com os avanços “ainda em passos lentos” do futsal feminino.

— Infelizmente não existem as mesmas possibilidades no esporte masculino e no feminino, é uma realidade não só do futsal. As modalidades masculinas tiveram as suas lutas e precisaram correr atrás de muitas coisas, assim como nós estamos fazendo agora. Por várias questões, uma delas o machismo implícito na sociedade, nós mulheres não temos as mesmas oportunidades que os homens. Falta organização em todos os níveis — disse Jozi.

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Jozi defendeu o Kindermann por cinco anos. Foto: Arquivo Pessoal

Natural de Chapecó (SC), Jozi começou a jogar há 24 anos. A atleta de 40 anos se diz privilegiada por ter passado apenas por clubes pioneiros, que apostaram no futsal feminino.

A primeira equipe da goleira foi o Popiolski, da cidade natal dela, em 1998. Por lá, Jozi recebia uma ajuda de custo e bolsa para estudar em uma universidade parceira do clube.

Em 2003, Jozi se mudou para Caçador para defender o Kindermann em um projeto ambicioso de ser a melhor equipe do país. Foi o primeiro clube em que a goleira recebeu um salário, além de morar e ter refeição no centro de treinamentos e também ter bolsa na faculdade parceira.

— O Kindermann foi a equipe mais vitoriosa no Brasil por quatro anos. Ganhamos todas as competições nacionais (Taça Brasil, Liga Nacional, Jogos Abertos Brasileiros, Jogos Universitários Brasileiros). Com isso, os outros times começaram a buscar as mesmas estruturas para as atletas.

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Aos 40 anos, Jozi defende o Burela, da Espanha. Foto: Arquivo Pessoal

Após cinco anos no Kindermann, Jozi foi para o Burela, da Espanha, clube que defende até hoje, em mais um projeto pioneiro. Recém-chegado na elite, o clube estava montando um time para, em quatro anos, ser campeão. E deu certo.

— O primeiro reforço foi uma goleira e uma pivô, para se manter na elite. No segundo ano, contrataram uma fixa e uma ala. E o projeto saiu perfeito porque no quarto ano nós ganhamos a liga.

De acordo com Jozi, o Burela é um dos únicos clubes da Espanha que contrata as atletas com carteira assinada e, além de muitos outros benefícios, dá uma garantia de contrato em caso de gravidez.

— Fico muito feliz que, ainda em passos lentos, conquistamos reconhecimento. Hoje muitas atletas podem viver do futsal, jogar em outros países. Se eu não me engano, eu fui a quarta atleta brasileira a ir para a Espanha. Hoje, entre Espanha e Itália, que são as maiores ligas de futsal feminino do mundo, há mais de 100 brasileiras. São avanços que a gente conquistou.

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Jozi conquistou cinco mundiais não-oficiais com a seleção brasileira. Foto: Arquivo Pessoal

Milhares de atletas não tem, ou tiveram, estes “benefícios” que Jozi teve. Inclusive, muitas vezes no futsal feminino as mulheres precisam ter outros trabalhos para se sustentar e deixam o sonho em segundo plano.

Pela falta de reconhecimento e incentivo, a própria seleção brasileira de futsal feminino por muitos anos não teve calendário.

— De 2010 a 2015 aconteceram torneios mundiais entre seleções, não-oficiais, mas com aprovação da FIFA e eram organizados pelas confederações que participavam: Brasil, Espanha, Portugal e Rússia. Depois, a seleção praticamente desapareceu do cenário mundial.

Para 2023, entretanto, a Confederação Brasileira de Futebol divulgou o calendário das seleções e a feminina, finalmente, terá competições e amistosos para disputar.

O cenário do futsal feminino está melhorando aos poucos e Jozi acredita que o mundial de seleções pode fazer todas as organizações evoluírem em prol da modalidade.

— Acredito que traz esperança para que todos os outros setores melhorem. Com o Mundial de Seleções, talvez as confederações se organizem para fazer um ranking para promover a modalidade dentro dos continentes de uma forma mais organizada, criando competições continentais entre clubes, o que não existe hoje.

A maior competição entre clubes disponível é a Libertadores. Em 2022, o Taboão da Serra foi campeão sobre o San Lorenzo, da Argentina.

Apesar da expectativa de melhora, Jozi também critica e fica na dúvida se a FIFA vai cumprir com as obrigações de chancelar o futsal feminino.

— Estamos na expectativa do calendário FIFA. Eles anunciaram que terá o Mundial, mas não há uma data ainda, nem o ano. Provavelmente não será em 2023, mas não será legal se for daqui há dez anos. Não vamos ficar tranquilas se demorar muito para acontecer porque estamos há anos esperando.

— A AJFSF vai continuar trabalhando para promover o futsal feminino e para que os direitos possam ser conquistados por atletas de todos os países. Queremos que a modalidade se torne profissional e que tenhamos competições intercontinentais tanto de seleções, quanto de clubes. Resumindo, queremos ter as mesmas possibilidades que o futsal masculino — completou.