Guia F1 2023 – Afinal, a Mercedes está pronta para reagir?
Com carro preto novamente, Mercedes busca a redenção depois da decepcionante temporada de 2022. Mas ainda é cedo para apostar nisso...
Nome oficial: Mercedes-AMG Petronas F1 Team // Carro: W14 // Motor: Mercedes-AMG F1 M14 // Pilotos: #44 Lewis Hamilton e #63 George Russell // Posição em 2021: 3º de 10
A equipe
A Mercedes dispensa apresentações. Foi a equipe que dominou a última década e mandou na Fórmula 1 da era híbrida. Entre 2014 e 2020, todos os títulos de pilotos e construtores foram para a conta do time comandado por Toto Wolff – recorde absoluto. Em 2021, a hegemonia foi quebrada pelo apertadíssimo título de Max Verstappen entre os pilotos, mas o de construtores seguiu com os alemães.
2022 começou como o maior desafio da Mercedes em muito tempo, com a ameaça de ser superada pela Red Bull também entre os construtores. Não só essa ameaça se mostrou verdadeira, como a Ferrari também deixou os carros prateados para trás. Para piorar, a equipe só esteve perto de brigar por vitórias já no fim do ano, e conquistou apenas um triunfo, com George Russell. Menor marca do time desde 2012. Lewis Hamilton amargou a primeira temporada sem vitórias em seus 16 anos de carreira na F1.
A temporada que se inicia é de extrema importância para a Mercedes. Quanto mais rápida for a recuperação, melhor. Ficar no topo é importante para a equipe manter sua relevância não só esportiva, mas também na política da categoria, nas finanças e no marketing.
No ano passado, o grande culpado pelo ano fraco atendia pelo nome de W13. O carro surgiu com uma interpretação extremamente ousada do novo regulamento, trazendo laterais enxutas apelidadas de “zeropods”. O carro até tinha potencial, mas se mostrou bastante imprevisível e de difícil acerto, além de sofrer em demasia com o porpoising. Hamilton gastou boa parte do ano carregando sensores e conduzindo testes para que a equipe pudesse ao menos interpretar melhor o comportamento errático do modelo.
George Russell, menos experiente para passar os complicados feedbacks que o carro demandava, acabou podendo aproveitar mais as poucas chances enquanto Hamilton fazia experimentos e somou mais pontos. Foi dele a única vitória do time, em Interlagos, no melhor GP da Mercedes no ano.
2022 também foi o ano que a equipe voltou ao seu clássico prata depois de duas boas temporadas com carros pretos. Agora, as panteras negras estão de volta. Alguns podem até alegar que é superstição depois do ano ruim de prata, mas a razão é muito mais pragmática (como manda a tradição alemã): redução de peso.
A bordo dos carros, segue a mesma ótima dupla. No pit wall, uma mudança importante: James Vowles, o estrategista do time e engenheiro importante desde a volta da marca à F1, em 2010, vai embora rumo à Williams, onde será Chefe de Equipe. Mick Schumacher se junta ao time - pelo qual seu pai se aposentou - na função de piloto reserva.
A dupla de pilotos
#44 Lewis Hamilton: O heptacampeão tem pressa. O campeonato perdido de forma polêmica em 2021 não foi bem digerido pelo inglês, deixando nele o apetite de dar a volta por cima, de se provar e provar ao mundo que aquilo foi um acidente de percurso. Mas o já citado carro de 2022 nunca esteva minimamente próximo de dar condições de brigar pelo título. Na prática, um ano perdido em testes, simulações e tentativa-e-erro para fazer a equipe voltar aos trilhos.
Aos 38 anos, Hamilton não quer e não pode perder mais tempo. Voltar a andar na frente é a ambição óbvia. O desafio é grande, já que agora a Mercedes tem outro piloto igualmente capaz de brigar por coisas grandes. Contextualizações à parte, o fato é que Russell superou Hamilton em 2022, e o veterano não pode se dar ao luxo de gastar mais tempo como laboratório e correr o risco de ficar atrás mais uma vez.
2023 é o ano de Hamilton voltar para o seu lugar, tanto dentro da equipe quanto dentro da Fórmula 1. Ele está preparado para isso. Só falta combinar com todo o resto...
#63 George Russell: o piloto britânico chegou à Mercedes pregando humildade. Bastante talentoso, ele embarcou no time falando em observar e aprender com Hamilton em sua primeira temporada. Ele observou, aprendeu - e venceu. Como já citado anteriormente nesse guia, é bem verdade que Hamilton teve uma temporada comprometida em 2022, mas isso não muda o fato de que, na frieza da tabela de pontos, Russell o superou. Agora vem o momento seguinte.
Por mais que entenda a gana do colega por voltar a brilhar e tenha ciência de seu papel a longo prazo dentro da equipe, Russell não vai deixar passar a oportunidade de vencer o grande Lewis Hamilton com o mesmo maquinário por DUAS vezes (alô, Nico Rosberg!). O piloto de 25 anos já está mais ambientado ao time, mais confiante e motivado pela primeira vitória e primeira pole conquistados no ano passado. Entender o papel e a urgência de Hamilton é uma coisa. Abaixar a cabeça, é outra.
Ao mesmo tempo em que quer marcar de vez o seu espaço, Russell precisa ter em mente que é a grande aposta da equipe para o futuro. Causar problemas dentro da equipe, mesmo que indiretamente, e se indispor com o colega e com o time são coisas que, certamente, não ajudariam. Ele não demonstra ter um perfil complicado, mas sabemos bem como o clima pode azedar dentro de uma equipe quando as coisas não agradam a todos...
É um equilíbrio delicado para Russell, Hamilton e para a Mercedes como um todo. Uma história para se observar atentamente ao longo de 2023.
O carro
O ousado W13 foi a grande dor de cabeça da Mercedes em 2022. Uma aposta alta que não se pagou. O carro temperamental demandou muito tempo da equipe até que pudesse ser compreendido e domado. Quando se tornou mais domesticado e menos saltitante, já era tarde demais para almejar qualquer possibilidade de título.
Depois de tantos estudos e testes, o conceito dos “zeropods” já não é mais um tiro no escuro. A Mercedes tem uma base teórica e prática mais sólida, e vai repetir a aposta na ideia das laterais apertadas – ainda que menos que antes. O W14, assim, é uma evolução do polêmico W13. Segundo a equipe, bem melhorado.
Apesar das melhorias técnicas e aerodinâmicas, o que chama atenção no novo carro é algo muito mais simples: a cor. A Mercedes volta ao preto de 2020 e 2021. Se naquelas temporadas a motivação da tintura escura era demonstrar apoio à luta antirracista de Lewis Hamilton, dessa vez o motivo é bem menos nobre – mas ecoa a história da própria Mercedes.
Reza a lenda que, em 1934, a Mercedes raspou a pintura branca do W25 na noite anterior à uma corrida em Nurburgring para aliviar peso e atingir o limite estipulado pelo regulamento. O carro ficou no tom prata do alumínio cru de sua carroceria, acabou ganhando a prova e deu origem à tradição prateada da marca.
Hoje em dia, todos os carros são feitos de fibra de carbono, que é preta. Na briga contra a balança, várias equipes têm deixado partes de seus carros sem pintura para economizar algumas gramas. A Mercedes apelou a seu histórico recente (e vencedor) para tirar a tinta de vez e voltar ao preto. Com a fibra exposta e as (poucas) partes pintadas num tom fosco, é nítida a diferença com a coloração bem mais viva e reluzente dos poderosos W11 (2020) e W12 (2021), quando havia, de fato, tinta preta.
Expectativa para 2023
Uma equipe do porte da Mercedes nunca entra em campo sem chamar a atenção. Naturalmente, as expectativas são altas. Mas a fraca temporada de 2022 joga um grande ponto de interrogação sobre o time. E os testes de pré-temporada colocaram ainda mais interrogações e pouquíssimos pontos finais.
Nos três dias de atividades, o W14 foi um carro inconstante. Se mostrou bastante sensível aos ajustes, mudando de comportamento e de performance de maneira acentuada conforme as condições de simulação da equipe eram alteradas. Pode ser sinal de um carro de acerto difícil, como o do ano passado. Mas que tem potencial para chegar a bons resultados se o tal ajuste fino for encontrado. Nota positiva foi a mínima incidência do porpoising.
Em certos momentos dos testes, a Mercedes conseguiu se aproximar de Ferrari e até de Red Bull. Em outros, estava mais o clube da Aston Martin que das outras grandes. O lugar da equipe na hierarquia de 2023 ainda é bastante incerto, e a própria Mercedes tem noção disso, a julgar por declarações de seus pilotos e engenheiros. O que é certo é que o real potencial do W14 não foi explorado, já que o carro andou com uma carga aerodinâmica maior que a dos concorrentes
Existe uma máxima na Fórmula 1 que diz que um piloto é tão bom quanto sua última corrida. O mesmo pode ser aplicado para equipes. E, a julgar pela temporada passada, a Mercedes não é mais um bicho-papão. Virar esse jogo é questão de honra. Vontade e capacidade técnica certamente não faltam. Talento dos pilotos, também não. Mas e carro para brigar? Eis a pergunta de muitos milhões de dólares...