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'Explosão' de Mourinho, reformulação total e vestiário 'sem vaidade': como Inter de Milão quebrou tabu de 45 anos na Champions

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'Questão de tempo para a Champions': Lúcio relembra montagem de time campeão da Inter de Milão (2:15)

Ex-zagueiro brasileiro fez parte do time da Inter que conquistou seu último título na Champions League (2:15)

Sem levantar um troféu de Uefa Champions League desde 2010, a Inter de Milão tem a chance de eliminar este longo tabu no próximo sábado (10), a partir das 16h (de Brasília), no Estádio Olímpico Atatürk, em Istambul, contra o Manchester City, na final da atual edição da competição europeia.

Durante os 13 longos anos de espera para voltar a uma decisão de Liga dos Campeões, o clube italiano só disputou o torneio sete vezes (contando com a atual edição), e o seu melhor desempenho no período foi chegar às quartas de final em 2010/11, ano seguinte à última conquista.

E apesar da distância entre as duas últimas finais, os Nerazzurri já tiveram um tabu mais longo na história da competição, e que foi quebrado, justamente, com a conquista do título mais recente. Entre a segunda taça, conquistada pelo clube em 1965, e a de 2010, foram 45 anos de hiato, com duas decisões perdidas pelo caminho (1966/67 e 1971/72).

Titular absoluto da Inter no time da vitoriosa temporada 2009/10, que além da Champions ainda teve as conquistas do Campeonato Italiano e da Copa da Itália, o ex-zagueiro Lúcio contou em detalhes os bastidores daquela que foi a "cereja do bolo" da campanha, que levou a equipe de Milão à sua sexta taça continental (somando os três títulos de Uefa Europa League conquistados).

A nível nacional, a Inter de Milão vinha embalada na Serie A com com quatro títulos seguidos entre 2005 e 2008. Porém, ainda faltava aquele algo a mais no estrelado time comandado pelo português José Mourinho. Ao final da temporada 2008/09, muitos nomes conhecidos deixaram o clube, como Zlatan Ibrahimovic, Patrick Viera e Adriano. Por conta disso, ao lado de Massimo Moratti, à época o presidente, Mou precisou reformular o plantel, e assim o fez.

Além de Lúcio, chegaram Wesley Sneijder, Samuel Eto'o, Diego Milito, Thiago Motta, entre outros nomes de peso que ajudaram a manter o patamar do elenco da Inter alto. O zagueiro brasileiro, inclusive, deixou o Bayern de Munique por conta de uma questão com o técnico holandês Louis Van Gaal.

“Sem dúvida a minha saída do Bayern não foi por minha vontade. O Van Gaal, que assumiu como treinador e me mandou a notícia ainda quando eu estava na África do Sul, jogando a Copa das Confederações (com a seleção brasileira), de que ele não tinha intenção de me utilizar no Bayern. Naquele momento, como eu já tinha cinco anos de Bayern, foi um choque muito grande, tristeza, sem dúvida, quando recebi a notícia, mas dou graças a Deus de ter ido para uma equipe também muito forte, com um elenco muito forte, que era a Inter de Milão, com um treinador também muito bom. Um pouco mais na frente pude perceber que foi mais um presente de Deus por ter ido para a Inter de Milão. Sem dúvidas, um dos meus grandes sonhos era conquistar uma Champions League e isso aconteceu em 2010”, disse Lúcio, em entrevista à ESPN, em 2010.

“O torcedor acaba se acostumando com o título italiano, então eles querem a Champions League. Então o José Mourinho junto com o presidente, o Moratti, também outra pessoa de um caráter e competência invejáveis, estavam montando uma equipe para ganhar a Champions porque o Campeonato Italiano e até a Copa (da Itália), com todo respeito às outras equipes, mas a Inter de Milão vinha ganhando porque tinha um grupo mais forte. E depois com mais alguns reforços, como o Sneijder, o Samuel Eto'o, chegou o Thiago Motta, eu também cheguei, então esses jogadores foram para reformular bem a Inter de Milão, claro, em busca do sonho maior. Mourinho e o Moratti com certeza montaram o time com aquele intuito e, claro, a cobrança existe. Você vem de um grande clube e chega em um grande clube para grandes conquistas, grande expectativa, a torcida tem expectativa, o próprio treinador e o presidente sempre esperam que a gente renda o melhor. No início foi mais difícil até o time se entrosar, mas aí foi questão de tempo para formarmos uma grande equipe e conseguirmos o tão sonhado título da Champions."

Vestiário 'sem vaidade' e 'explosão' de Mourinho

Depois de cair para o Manchester United nas oitavas de final da edição anterior, a Inter de Milão iniciou a sua campanha no grupo F, ao lado de Barcelona, Rubin Kazan-RUS e Dínamo de Kiev-UCR. Os italianos avançaram em segundo, com 9 pontos, dois atrás do Barça, que avançou em primeiro.

Nas oitavas, a Inter de Milão teve pela frente o Chelsea, que recentemente havia sido vice-campeão da Champions, e avançou com com duas vitórias. Também foi assim nas quartas, contra o CSKA Moscou-RUS.

A partir da semifinal, o caminho dos italianos ficou pesado de vez. O clube reencontrou o Barcelona de Pep Guardiola e passou à final disputando um jogo que ficou marcado na história da competição, no Camp Nou, na volta. Depois de vencer no Giuseppe Meazza por 3 a 1, a Inter de Milão foi à Catalunha e perdeu por 1 a 0, mas avançou.

À época, muitos taxaram o técnico José Mourinho de retranqueiro por ter armado um esquema tático mais defensivo para o jogo de volta. Mas Lúcio não concorda com essa análise e trouxe a visão de quem esteve em campo na ocasião.

“A pessoa que fala que o José Mourinho é retranqueiro talvez não tenha lido, não tenha tido a leitura do jogo. Acho totalmente um equívoco de quem fala isso. Nosso time perdeu o Thiago Motta aos 28 minutos do primeiro tempo, você jogando no Camp Nou com mais de 80 mil pessoas, uma pressão, uma equipe que tem os jogadores que eu falei, que são de alto nível e de seleções, da Espanha, que foi campeã do mundo em 2010. Então como você, tendo a vantagem de dois gols, jogando no Camp Nou, com um jogador a menos, vai expor o seu time ao ataque? Não tem lógica. Se você parar para raciocinar, não tem porque tentar atacar a outra equipe, por mais que fosse o Barcelona ou outra equipe. O modo mais racional e inteligente de jogar aquela partida foi da forma que o Mourinho jogou, defendendo", disse.

"Você já tinha dois gols de vantagem, com o primeiro jogo em Milão, que foi 3 a 1 para a gente, já fizemos um bom resultado em casa, então não tem porque se expor. Logo no início perdemos um jogador, ficamos com um a menos, então não tem porque se expor. Não foi questão de ser retranqueiro, a questão é que a gente estava com um a menos e precisava do resultado. Então quando o Thiago foi expulso, certamente muita gente já deveia ter pensado que a Inter não ia aguentar, que não ia segurar e depois que aguentou, disse que a Inter é retranqueira, que o Mourinho é retranqueiro. Acho que não é dessa forma, quem leu o jogo desde o início vai perceber que o Mourinho fez a decisão certa e que a gente também iria fazer em campo, que era se defender, com um homem a menos que o Barcelona", prosseguiu.

"Aquele jogo para mim foi um dos mais complicados, onde a gente sofreu muita pressão porque o Barcelona, como falei, só tínhamos dois gols de vantagem e com um jogador a menos logo aos 28 minutos do primeiro tempo, então a gente sofreu mais. Depois da expulsão do Thiago ficou praticamente ataque contra defesa, então para mim aquele jogo foi o mais difícil, até porque o Barcelona é um time que, até então, sempre foi um dos favoritos até tomar essa pancada do Bayern de Munique, então sempre foi um time considerado fortíssimo, sempre candidato a ganhar os títulos, então foi o jogo mais difícil, até porque era uma semifinal, faltavam só dois jogos para sermos campeões da Champions, então a pressão foi muito grande. Foi um grande desafio, até porque a gente sabe da qualidade do trabalho do Guardiola e dos jogadores do Barcelona, então para mim esse jogo foi o mais difícil".

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Lúcio relembra 'puxão de orelha' de Mourinho na Inter e crava: 'Melhor treinador que tive'

Ex-zagueiro foi comandado pelo português no título da Champions League de 2010

Depois de passarem pelo Barcelona, os italianos pegaram o Bayern na final, que aconteceu no Santiago Bernabéu, casa do Real Madrid. Milito foi decisivo e fez os gols da vitória por 2 a 0 sobre os alemães.

Lúcio ainda destacou a importância de Mourinho para a conquista da Champions e lembrou que, apesar de recheado de estrelas, o elenco nerazzurri não tinha qualquer vaidade, o que também ajudou a Inter a ser campeã continental.

“Mourinho sempre foi um grande treinador, o trabalho dele fala por si, a história que ele tem no futebol de conquistas. Era um cara que cobra muito, é uma virtude do vencedores, querer sempre o melhor. Para o vencedor, o bom não é o suficiente, tem que estar ótimo, e ele era um cara assim, que cobrava uma equipe excelente, queria tudo, cobrava perfeição em todos os setores do time. Queria ganhar mesmo dos adversários considerados inferiores até os mais fortes. Passava uma confiança e uma motivação muito grande para a nossa equipe. Ficava nervoso sim, brigava, chutava as coisas dentro do vestiário, mas era no intuito de vencer. Para mim, foi o melhor treinador com quem já trabalhei, até porque é um cara muito verdadeiro, falava as coisas diretamente com os jogadores", contou.

"No início ele me chamou numa conversa particular, onde o nosso time não estava rendendo muito bem defensivamente, me falou: 'Lúcio, eu te trouxe para me ajudar na defesa, para coordenar e isso não está acontecendo, você precisa melhorar, precisa cobrar também dos seus companheiros, tem que funcionar o sistema defensivo porque te trouxe para isso'. Esse tipo de conversa são poucos treinadores que têm, de falar realmente a verdade para os jogadores e isso foi bom para mim porque foi um ano espetacular tanto para a Inter de Milão quanto para mim, individualmente, onde o meu futebol cresceu muito, foi onde consegui estar entre os 11 da (seleção da) Fifa, escolhidos no time do ano. Agradeço muito a ele porque esses puxões de orelha, dicas, broncas, fez com que a nossa equipe fosse aperfeiçoando cada dia mais e conquistasse os títulos. Hoje, na Itália, o único clube que tem a tríplice coroa é a Inter de Milão, então isso sem dúvidas vamos guardar com muito carinho e é claro que não são só flores, tem momentos de dificuldade, e isso que fez a diferença com o Mourinho no comando, soube guiar muito bem toda essas condições que aparecem, essas turbulências que aparecem durante as competições. E dele ser meio turrão e brigão com a imprensa é que ele está sempre no intuito de proteger a camisa que ele está vestindo. A gente lembra que, na época, a imprensa italiana criticava muito o nosso time, questionava o trabalho dele e, claro, isso não deixa ninguém feliz e ele defendia a Inter, nós jogadores, então ele batia muito de frente com a imprensa, era o estilo dele, a gente sabe que é um cara muito correto, trabalhador, que sempre luta para vencer”, prosseguiu.

“Nosso bastidor era muito bom, a faixa etária de todos os jogadores que estavam ali era muito boa, entre 30 e 35 anos de idade, então era uma idade em que estávamos mais experientes, então ajudou muito o vestiário. Era um vestiário muito alegre, onde um dava força para o outro, que tinha muita pouca vaidade, quase não existia isso. Quando você ficava no banco, torcida por aquele que entrava, e vice e versa, até mesmo quem não era relacionado tinha esse vínculo, esse elo de estar ali no vestiário, apoiando em todos os jogos, motivando a gente. Era um vestiário muito bom. Grande parte dessa conquista, sem dúvida, foi criado dentro daquele vestiário, conseguimos levar o espírito de união, de amizade, para dentro do campo e isso funcionou. Posso dizer, claramente, que se a gente pegar a escalação do nosso time e a escalação de outros, como o Barcelona, talvez até o Chelsea, talvez eles teriam, no papel, mais time do que a Inter, mas naquela competição a nossa união, o nosso espírito de time falou mais alto, o nosso futebol também melhorou bastante. Tudo isso ajudou muito para que a gente conseguisse o nosso objetivo, o respeito um pelo outro, a ajuda mútua, isso foi muito importante para o nosso crescimento e para as nossas conquistas. A gente sempre comenta e fala que jogador, o individual, ganha jogos, mas o coletivo é que ganha campeonato. Então nesse momento ali, estávamos mais com foco e o objetivo no time, no conjunto, para que pudéssemos alcançar o nosso sonho que era ganhar a Champions League”, finalizou.